sábado, 11 de agosto de 2007

RESUMO DO SEMINÁRIO DE DANIEL GOLEMAN EM SÃO PAULO EM 28/04/99

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Resumo do Seminário de Daniel Goleman em São Paulo em 28/4/99


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[NOTA: Este texto foi redigido por Eduardo O C Chaves para os membros da Lista de Discussão EduTec e, portanto, no início e no fim tem um tom coloquial, referindo-se a outros participantes da lista. EC]



A todos os membros da lista de discussao EduTec (e de outras listas minhas a quem estou enviando esta mensagem):

Conforme prometi, aqui vai um resumo da palestra (tecnicamente um "seminario") de Daniel Goleman em Sao Paulo, hoje [28/4, quarta-feira] a tarde [1330 h]. A palestra, com o titulo "Trabalhando com a Inteligencia Emocional", foi ministrada em um dos auditorios do Memorial da America Latina. Encontrei la dois membros da lista: Claudio Minetto, aqui de Campinas, e o Calixto Silva Neto, do Objetivo de Sorocaba (que estava com uma comitiva de cerca de 50 professores daquela escola, que fretou um onibus para levar os professores a palestra). Tanto um como o outro estao convidados a complementar, ou mesmo a corrigir, esse meu resumo.

A palestra durou um pouco mais de duas horas, em dois periodos, o primeiro com um pouco mais de uma hora, o segundo com um pouco menos de uma hora.

Estou pressupondo que voces saibam que Goleman e autor do famoso livro Inteligencia Emocional, que ja vendeu mais de 5 milhoes de copias mundialmente, das quais 400 mil [quase 10% -- acho essa crifra fantastica!] aqui no Brasil.

Para que voces tenham uma ideia da importancia de Goleman nesse nosso mundo globalizado, ele cobra, pelo que sei, 50 mil dolares por seminarios, desse tipo, fora as despesas. Em reais, isso significa que ele deve ter ganho, em cerca de 120 minutos, 85 mil reais - ou seja, 42,5 mil reais por hora, ou cerca de 700 reais (mais de cinco salarios minimos) por minuto! (Havia cerca de 800 pessoas assistindo a palestra no local e ela foi transmitida via satelite para 65 salas VIP da Embratel em varios locais do pais).

No final farei uma breve apreciacao critica de um pequeno aspecto das teses de Goleman que me parece insatisfatorio.



INTRODUCAO

O seminario comecou com a seguinte questao: qual e o melhor preditor de sucesso profissional: a inteligencia (como medida por testes de QI) ou um complexo de fatores que inclui motivacao, autoconfianca, disposicao de assumir riscos calculados, adaptabilidade a mudancas, habilidades interpessoais, capacidade de gerenciar conflitos, dedicacao, persistencia, controle emocional, etc. - fatores que Goleman opta por chamar de "inteligencia emocional".

Goleman se referiu, de inicio, a um fenomeno bastante comum, a saber, a experiencia daqueles que, depois de varios anos, se encontram, em uma reuniao de classe, com antigos colegas de escola, na expectativa de que os melhores alunos na escola teriam se tornado os profissionais mais bem sucedidos. Geralmente se surpreendem, porque o mais bem sucedido profissionalmente em geral nao e o que tirava melhores notas, nem o que exibia os tracos tipicos da pessoa inteligente ou que tinha o QI mais alto. Em regra, o mais bem sucedido dentre os colegas e alguem que nao passava de um aluno medio, mas era, nas palavras de Goleman, "um formidavel ser humano" ("a superb human being").

Goleman relatou o caso de um aluno que chegou a ter um desempenho de 100% (sem nenhum erro) no Exame de Entrada na Universidade ("College Entrance Examination", ministrado geralmente quando o aluno esta na ultima serie do Ensino Medio), mas nao conseguiu terminar a Universidade - por ter zero de motivacao. Ou o caso de um "serial killer", e portanto psicopata, que tinha QI de 160 - isto e, um verdadeiro genio, em termos de inteligencia. QI e sucesso profissional portanto nao caminham necessariamente juntos. [A tese de Goleman e contraditada por Richard Herrnstein (Professor de Psicologia em Harvard) e Charles Murray (Fellow do American Enterprise Institute), autores de The Bell Curve, controvertido livro publicado em Outubro de 1994].

Segundo Goleman, nao se trata de afirmar que a inteligencia medida pelos testes de QI nao importe: trata-se, isto sim, de mostrar que ela nao significa tanto para o sucesso profissional quanto fomos levados a esperar. Para ele, a inteligencia pode ter cerca de 10% de responsabilidade no sucesso profissional - os outros 90% seriam explicaveis pelo conjunto de fatores que ele designa como "inteligencia emocional".

A tese que ele defende e que a inteligencia e geralmente responsavel (positiva ou negativamente) pela area profissional que um individuo pode ou nao adentrar. Uma pessoa de QI bem abaixo da media provavelmente nao conseguira entrar numa carreira cientifica (astrofisica, por exemplo), porque tera dificuldade em para ser selecionado por uma universidade nessa area, e, mesmo que seja selecionado, provavelmente nao conseguira acompanhar o curso. Mas dentre aqueles que (por exemplo) conseguem acompanhar esse curso de estudo (que tenham QI entre 110 e 120, digamos), todos serao mais ou menos equivalentes em termos de inteligencia - e sera mais bem sucedido o que tiver mais "inteligencia emocional".

Goleman concluiu este preambulo com algumas consideracoes acerca do cerebro humano, que teria um nucleo, na sua regiao central, que ele chama de "amidala" ("amygdala" e o termo em ingles), que seria responsavel pelas emocoes, e que e revestido por camadas em que predominam os aspectos mais cognitivos, que sao coordenados pelo "Centro Executivo" do cerebro, que fica na regiao pre-frontal, bem atras da testa. Segundo ele, estudos em neurofisiologia tem mostrado que se a amidala for separada do "Centro Executivo", a inteligencia do individuo continuara a funcionar normalmente, mas ele nao sentira as emocoes normalmente associadas com o comportamento inteligente, e, por outro lado, suas emocoes ficarao sem controle, podendo ser "sequestradas" por ataques de nervos que, para o individuo (e para os outros), sao totalmente incompreensiveis.

Depois de fazer esse preambulo, Goleman se propos a analisar em detalhe o que compoe o que ele chama de inteligencia emocional. Segundo ele, a inteligencia emocional pode ser descrita atraves de uma descricao resumida dos tracos e caracteristicas que consideramos mais importantes na vida daqueles que sao os melhores profissionais (as "estrelas de primeira grandeza"), ou que exibem "desempenho de pico" ("peak performance"). Esses tracos ou caracteristicas sao de dois tipos: os que dizem respeito a competencia pessoal e os que dizem respeito a competencia social.

Os dois principais tracos relacionados a competencia pessoal sao:

Capacidade de autopercepcao e de autoconhecimento
Capacidade de autocontrole, especialmente na area emocional
Os dois principais tracos relacionados a competencia social sao:

Empatia
Aptidoes interpessoais ("social skills")
Para cada um desses tracos Goleman procurou esmiucar um pouco o que ele entende por essas caracteristicas. Vou tentar resumir o que ele disse, usando minhas palavras.


AUTOPERCEPCAO E AUTOCONHECIMENTO

A maior parte das pessoas nao consegue identificar com clareza seus sentimentos e emocoes - em parte porque concentramos nossa atencao em nossos pensamentos conscientes deixando que nossos sentimentos e emocoes operem de forma meio subrepticia, as vezes inconsciente mesmo. Assim, frequentemente ignoramos nossos sentimentos e nossas emocoes - ate que esses chamam a sua atencao, geralmente atraves de uma crise emocional ou de um colapso nervoso ("nervous breakdown"). Quando isto acontece, nossos sentimentos e emocoes de certo modo "sequestram" ("hijack") o controle de nossas acoes, retirando-o do Centro Executivo do cerebro.

Ha tres competencias basicas nesta area que precisamos desenvolver, se desejamos alcancar autopercepcao e autoconhecimento e, assim, melhorar nossa inteligencia emocional.

Primeira:

Precisamos procurar identificar e conhecer as emocoes que estamos sentindo e por que as estamos sentindo. Nao faz sentido nenhum, embora seja um fato frequente, tentar nos enganar a nos mesmos em relacao as nossas emocoes. Precisamos ter clareza sobre elas, porque nossas emocoes geralmente estao associadas com nossos valores e objetivos maiores, com aquilo que nos faz vibrar. Se temos uma carreira (ou um casamento) que nao esta em harmonia com nossos valores, e, consequentemente, com nossas emocoes, seremos frustrados profissionalmente (ou pessoalmente), nos sentiremos lesados, e nunca conseguiremos alcancar sucesso profissional (ou felicidade pessoal).

Nossas decisoes, em todos os planos, mas especialmente no profissional, precisam ser coerentes com nossos valores e com nossas emocoes, sob pena de vivermos um conflito (em grande parte inconsciente) que pode assumir proporcoes por vezes calamitosas. Para que alcancemos essa coerencia precisamos ter clareza acerca de nossas emocoes e de nossos valores.

Segunda:

Precisamos ser capazes de avaliar objetiva e corretamente nossos pontos fortes e nossos pontos fracos, ter franqueza (especialmente com nós mesmos) acerca de nossos defeitos, ter a capacidade de rir de nossas manias. Estudos tem mostrado que as estrelas de primeira grandeza ("star performers") raramente exageram seus pontos fortes e tem quase perfeita consciencia de seus pontos fracos (nos quais trabalham para suplantar ou compensar seus pontos fracos), enquanto as pessoas de desempenho medio tem notoria tendencia a exagerar seus pontos fortes e negligenciar seus pontos fracos - razao pela qual raramente conseguem superar ou compensar suas falhas.

Terceira:

Precisamos ter auto-confianca, seguranca pessoal, uma percepcao clara e objetiva (sem falsa modestia) de nosso valor, confianca de que podemos (e devemos) tomar riscos calculados, etc. Essa e uma competencia extremamente importante para o sucesso profissional.


AUTOCONTROLE, ESPECIALMENTE NA AREA EMOCIONAL

Um estudo realizado ha muito tempo colocou criancas de 4 anos em uma sala, em que havia sobre a mesa um doce atraente. Depois de o pesquisador conversar um pouquinho com a crianca, dizia-lhe que tinha que sair por um tempo, e que se ela quisesse poderia comer o doce que estava sobre a mesa - mas que se ela conseguisse esperar ate a volta do pesquisador, teria entao dois doces. Naturalmente, alguns comeram o doce imediatamente e outros souberam retardar a sua gratificacao, para que ela viesse a ser ainda maior.

O mais interessante, segundo Goleman, e que anos depois essas mesmas criancas foram investigadas para determinar se havia diferencas significativas entre os dois grupos. O resultado foi que aquelas criancas que haviam conseguido controlar seu desejo de comer o doce imediatamente haviam obtido, em media, 210 pontos a mais do que os outros no ja mencionado College Entrance Examination, num total de 1600 pontos. (Essa diferenca de pontos e a que normalmente ocorre entre um aluno que vem de um lar em que os pais nao terminaram nem a Educacao Fundamental e um aluno que vem de um lar em que os pais tem pos-graduacao. Aqui, entretanto, a diferenca de 210 pontos ocorreu entre criancas de background bastante homogeneo, simplesmente em funcao de sua capacidade de autocontrole).

O controle - dos desejos, das emocoes, das ansiedades - e essencial para que o cerebro (o Centro Executivo) possa trabalhar com tranquilidade. Quando estamos estressados, vivendo situacoes conflitivas ou atravessando momentos problematicos de nossa vida, nao conseguimos nos concentrar - e isso significa desvantagem competitiva frente aqueles que conseguem manter autocontrole. Para trabalhar com desempenho superior e necessario ter capacidade de concentracao, que nao temos quando nao estamos em controle de nossas emocoes, ansiedades, etc.

As principais competencias aqui sao:

Primeira:

A capacidade de controlar e gerenciar impulsos, de nao perder o controle das emocoes mesmo em momentos dificeis, de se manter focado na tarefa a ser realizada mesmo sob pressao. Mike Tyson perdeu para Evander Hollyfield porque nao teve autocontrole. Clinton, embora extremamente capaz em muitos aspectos, e capaz de se controlar, em varias, areas, demonstrou total incapacidade de controlar seus impulsos sexuais. Isso envolveu tanto Tyson quando Clinton em uma serie de problemas complicadissimos, que teriam evitado se tivessem autocontrole emocional ou se soubessem colocar seus impulsos sob controle.

Segunda:

A capacidade de inspirar confianca e ser confiavel, fazendo com que os outros sintam que podem depender de voce. Aqui estao incluidos os habitos de cumprir promessas, realizar as obrigacoes assumidas, chegar na hora combinada ao trabalho e a compromissos, etc.

Terceira:

A capacidade de lidar com mudancas radicais e imprevistas, de se adaptar rapidamente a novas circunstancias, de lidar com multiplas solicitacoes e tarefas ao mesmo tempo. Numa empresa, a capacidade de lidar prontamente com as surpresas causadas pela concorrencia e fator nao so de sucesso como de sobrevivencia.

Quarta:

O impeto de realizar, de buscar resultados, de acreditar que sempre sera possivel reverter uma situacao negativa, que sempre e possivel fazer ainda melhor mesmo algo que ja esta bem feito - caracteristicas que distinguem, segundo Goleman, Bill Gates, e que ajudam a explicar porque ele e o homem mais rico do mundo.

Quinta:

A capacidade de tomar iniciativa, de nao deixar a oportunidade passar sem agarra-la, de ir alem daquilo que e exigido ou esperado, de nao se deixar esmorecer por obstaculos ou pela burocracia, de mobilizar os outros, etc. O melhor vendedor nao e aquele que fica esperando o telefone tocar: e, sim, aquele que sai em busca dos clientes, quando nenhum aparece. Um vendedor de seguros teve um problema do coracao e, enquanto no hospital, vendeu um seguro para seu cardiologista. Isto demonstra capacidade de iniciativa.

Na industria de roupas, um vendedor medio vende em media cerca de 85 mil dolares de roupa - e o melhor vendedor vende mais de um milhao de dolares (nao disse em que periodo).


EMPATIA

Todos sabemos o que e empatia: e a capacidade de nos colocarmos no lugar dos outros, sentirmos com eles.

As competencias a serem desenvolvidas aqui sao:

Primeira:

A capacidade de detectar nos outros as "pistas emocionais" ("emotional cues") que eles fornecem (especialmente atraves de sua linguagem corporal) quando estamos interagindo com eles e de agir de forma coerente, demonstrando que entendemos como eles se sentem. Incluida aqui esta a capacidade de ouvir, que indica que nos preocupamos com o que os outros tem a dizer.

Segunda:

A capacidade de ajudar os outros a se desenvolver e se aperfeicoar, dando-lhes sugestoes, feedback sobre a sua conduta e o seu desempenho, dizendo-lhes, com franqueza e privadamente, quando a sua conduta ou o seu desempenho nao chegou a niveis satisfatorios, estando a sua disposicao sempre que precisarem, tendo uma atitude receptiva e positiva para com mas noticias, etc. Incluida aqui esta a capacidade de preparar seu proprio sucessor, porque uma pessoa geralmente so sera promovida se houver outra preparada para assumir o seu posto.

Terceira:

A capacidade de corretamente perceber e interpretar o ambiente politico dentro do local de trabalho, de ler as pistas politicas, de saber quem sao os tomadores de decisao mais importantes, bem como os influenciadores de decisao, as "eminencias pardas", as pessoas que conseguem fazer as coisas andar, que controlam recursos importantes, etc. - e de saber lidar com essas pessoas de maneira correta mas eficaz. Para tanto e preciso saber identificar corretamente as agendas, as ambiçoes, e os sentimentos de cada um.


APTIDOES INTERPESSOAIS

Emocoes sao contagiosas: e preciso deixar-se contagiar por emocoes positivas e saber contagiar os outros com elas. Para tanto e preciso saber, de um lado, "ler emocoes" nos outros e, de outro lado, transmitir emocoes silenciosamente.

As competencias mais importantes aqui sao:

Primeira:

A capacidade de persuadir e influenciar, de trazer os outros para a sua posicao, de construir consenso. Para tanto e preciso reconhecer que as pessoas sao persuadidas muito menos por argumentos frios e objetivos do que por linguagem emocional, pelo humor, etc.

Segunda:

A capacidade de comunicar-se de forma eficiente e eficaz, com objetividade, de saber lidar com naturalidade mesmo com topicos delicados, de encorajar as pessoas a serem francas e abertas, dizendo o que pensam, etc.

Especialmente em empresas que foram adquiridas ou fundidas, as pessoas tem receio de serem despedidas. Uma comunicacao ineficaz e ilustrada pelo gerente que, tendo recebido ordens para reduzir seu pessoal em 40%, diz aos seus subordinados que terá que despedir 40% deles e que estará dando 10 minutos para cada um convence-lo de que deve ser mantido na companhia. Esse tipo de comunicacao reduz o moral dos funcionarios e leva os melhores deles a sairem por iniciativa propria. Por outro lado, numa mesma situacao, o gerente pode dizer que a nova situacao e de grande desafio para todos e que estara trabalhando com todos os funcionarios no sentido de fazer uma avaliacao franca, transparente e conjunta das necessidades de trabalho da empresa e das competencias de cada um, para tentar harmoniza-las, e que tentará preservar o emprego da maior parte deles, fazendo tudo para ajudar aqueles que nao for possivel manter a encontrar uma nova colocacao. Esse tipo de comunicacao e bem mais eficaz, preserva a moral dos funcionarios, e, de fato, os motiva a se envolverem objetivamente numa situacao admitidamente dificil, mas que tem que ser enfrentada com realismo e coragem.

Terceira:

A capacidade de gerenciar conflitos, reduzindo ("de-escalando") o seu nivel, de lidar com pessoas dificeis e situacoes tensas, de negociar com vistas a um objetivo de ganha/ganha ("win/win"), etc.

Quarta:

A capacidade de liderar, isto e, de inspirar e motivar, de conseguir que o trabalho a ser feito seja feito por outras pessoas, e que essas pessoas nao apenas facam o trabalho mas sintam prazer em faze-lo. O lider e aquele que consegue que as pessoas compatibilizem ou harmonizem os seus objetivos com aqueles da instituicao em que trabalham ou atuam e que, portanto, ao realizar os objetivos da instituicao estejam, ao mesmo tempo, realizando os seus.


Na parte final de seu seminario Goleman falou sobre a aplicacao da ideia de inteligencia emocional a grupos e instituicoes e nao apenas a individuos. Os principios sao basicamente os mesmos e nao e preciso repeti-los.

A grande diferenca entre Quociente de Inteligencia (QI) e Quociente Emocional (QE), na opiniao de Goleman e que o primeiro e realmente estavel e fixo, sendo virtualmente imutavel nas pessoas [vide acerca disso o artigo que distribuirei em seguida], enquanto que o segundo evolui. O que chamamos de amadurecimento e, na realidade, uma inteligencia emocional desenvolvida. Isto significa que e possivel ensinar e aprender as competencias que caracterizam a inteligencia emocional. O seu maior potencial, portanto, esta na educacao [fato reconhecido, por exemplo, pelo Objetivo de Sorocaba, que enviou 50 professores a palestra].


Prometi uma breve apreciacao critica. Aqui vai. Nao tenho maiores objecoes as ideias de Goleman. Acho que, no fundo, ele descreve de maneira razoavelmente correta o que e necessario para alguem ser bem sucedido (ser um sucesso) numa determinada area de atuacao, seja la qual for.

Minha principal reclamacao e de cunho mais semantico. O termo "inteligencia" tem um sentido razoalvemente claro na nossa linguagem. O termo vem de "intelligo", que quer dizer entender, compreender - ou seja, inteligencia e algo que se situa fundamentalmente no plano intelectual e cognitivo, nao no plano das emocoes. Nao vejo porque Goleman deva descrever como "inteligencia emocional" o conjunto de caracteristicas que ele assim descreve, a saber, motivacao, autoconfianca, disposicao de assumir riscos calculados, adaptabilidade a mudancas, habilidades interpessoais, capacidade de gerenciar conflitos, dedicacao, persistencia, controle emocional, etc. Motivacao e motivacao, nao e inteligencia. O mesmo em relacao a todos esses tracos que ele tao bem descreve.

Ao usar o termo "inteligencia", e qualifiaca-lo como "emocional", Goleman segue na trilha de Howard Gardner [mencionado em outra mensagem de ontem], que resolveu identificar nao sei quantos supostos tipos de inteligencia: inteligencia cinestética, corporal, interpesssoal sendo alguns deles.

Garrincha, por exemplo, era um individuo que, do ponto de vista intelectual e cognitivo (que e plano em que o termo "inteligencia" e normalmente usado), dificilmente seria chamado de inteligente. Na verdade, seu QI estava proximo do de um deficiente mental. No entanto, ele tinha habilidades cinestésicas que fizeram dele um grande jogador de futebol e um dos maiores dribladores que jamais existiram. Gardner diria que Garrincha era inteligente, mas que sua inteligencia nao era logico-verbal, e, sim, cinestesica. Eu acho que isso nao faz sentido.

Igualmente, dizer de um individuo que tem facilidade para se relacionar com os outros que tem inteligencia interpessoal, ou de um individuo que e capaz de dar um no no seu corpo que tem inteligencia corporal e abusar do termo "inteligencia". Esses individuos tem habilidades importantes que permitem que eles se destaquem em determinadas atividades, mesmo que sua inteligencia seja limitada. Eles nao sao necessariamente inteligentes.

Acho que o livro do Goleman seria mais fiel aos nossos usos linguisticos seje ele tivesse deixado o termo "inteligencia" de fora - mas dai, provavelmente ele nao teria atraido tanta atencao, nem vendido 5 milhoes de livros, nem estaria ganhando 5 salarios minimos por minuto para falar no Brasil...

Na realidade, o que Goleman faz nao e afirmar que a inteligencia (no sentido tradicional) deve ficar sob controle das emocoes, mas, sim, que as emocoes devem ser controladas pela razao (o Centro Executivo do cerebro), para que possam ser dirigidas para a consecucao dos objetivos que temos. Se isso nao acontecer, sofremos "ataques emocionais", isto e, ficamos vitimas de um sequestro, por parte das emocoes, do controle de nossas acoes -- e nos comportamos como Tyson e Clinton nas situacoes descritas.

Nao resta duvida de que as emocoes sao as molas propulsoras (as fontes de motivacao) de nossas acoes. Mas se quisermos ter autocontrole, precisamos aprender a conhecer nossas emocoes para poder dirigi-las, isto e, para poder submete-las ao controle consciente de nossa razao (que opera atraves do Centro Executivo do nosso cerebro).

Nesse aspecto, Goleman parece concordar mais com Platao, que dizia que a razao deve ser o timoneiro do barco das emocoes, do que com Hume, que dizia que a razao e, e deve sempre ser, escrava das "paixoes" (i.e., das emocoes). Hume disse isso porque ele acreditava que a razao opera apenas no plano dos meios, enquanto os fins sao sempre ditados pelas paixoes -- que ele classificava em violentas e calmas, defendendo a tese de que as paixoes calmas (como a solidariedade, a simpatia, etc.) devem prevalecer sobre as violentas, se quisermos ser bem sucedidos. Hume talvez inflaciona o sentido do termo "paixao" da mesma forma que Goleman inflaciona o sentido do termo "inteligencia"). Mas queria ouvir a opiniao do Calixto sobre isto, que fica aqui devidamente provocado a externa-la...



Campinas, 28 de abril de 1999

Eduardo Chaves
eduardo@chaves.com.br

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